Sem conseguir reparar muito no caminho que estava indo, Mike continuava beliscando-se na tentativa de acordar do sonho. Meloetta flutuava a sua frente e as notas musicais moviam-se em seu cabelo como se uma partitura estivesse sendo escrita constantemente. Reparava nos Pokemon do parque o encarando com curiosidade.
— Serene Village. — Mike leu a indicação de direção numa placa de madeira. Meloetta assentiu com a cabeça e apontou para um portão em forma de aro, coberto por plantas trepadeiras e flores coloridas. — Não demorou muito...
— Quase todos que você conheceu no parque moram aqui, assim como a Anciã e eu. — Meloetta flutuou até o portão, fazendo as flores dançarem com ela. — Não é muito grande como no passado, mas vivemos bem!
— Ah... E vocês todos fazem magia? Tipo, pew pew... pow! — Ele balançou os dedos para insinuar magia, o que Meloetta não entendeu muito bem. — Quer dizer... Sabe, todos têm poderes?
— É claro! Todos os Pokemon têm. Estamos a caminho da tenda do Mestre Stoutland, você vai entender melhor quando chegarmos lá. Passando pelo portão, Mike viu casas coloridas rodeadas por grama, caminhos de pedrinhas bem delimitados e outros Pokemon circulando, mas sempre reparando nele. Meloetta desceu ao chão quando viu uma chinchila cinza de olhos brilhantes correndo em sua direção.
— Meloetta, você voltou! Espera, esse é o Escolhido?
— É sim, e ele se chama Humano Estudante Mike!
— Na verdade, é só Mike...
— Huh? Você fala? Pensei que humanos não falassem!
— E eu pensava o mesmo de chinchilas...
— Quem é essa chinchila? Posso lutar com ela?
— Oh, vocês não foram apresentados direito! Humano Estudante Mike, esse aqui é o Minccino, meu melhor amigo. Nós vivemos juntos naquela casa ali. — Meloetta aponta para uma casa verde próxima do portão do vilarejo.
— É um prazer.
— Minccino fez uma reverência e estendeu a cauda felpuda para Mike apertar. — Igualmente, eu acho... — Ele segurou na cauda de Minccino, sentindo a maciez. — Ui, que macio!
— Gostou? Eu cuido muito bem dos meus pelos, uso óleo de Basculin.
— Não faço ideia do que esteja falando...
— Hum... Meloetta, esse humano parece aflito, qual é o problema dele? Será que está com fome?
— Não sei, ele parece estar numa crise existencial — disse, apontando para Mike, que continuava se beliscando. — Ele acha que está sonhando.
— Ah, acha? — Minccino arrepiou seus pelos, começando a produzir faíscas. Mike o olhou assustado, não sabendo o que aquilo significa.
Movendo os pés muito rápido como se corresse sem sair do lugar, Minccino começa a disparar raios elétricos contra Mike.
— AAAAH! — Ele acelera numa corrida para se esquivar, até um atingi-lo no sapato, o fazendo cair de bruços na grama. — P-Pare!!
— Vamos, lute comigo! Duvido que sonharia com alguém tão forte! — Agora Minccino salta para a frente de Mike, com a cauda brilhando e tentando o golpear.
— Já estão fazendo amizade, isso é bom!! Vai humano, mostre seus poderes!! — Meloetta comemorava, rodopiando.
Quando Minccino iria golpear o rosto de Mike, ele sentiu algo molhado em suas costas e foi erguido, tentando escapar.
— Hm. O que pensa que está fazendo, Minccino? — perguntou um grande e peludo cachorro, soltando Minccino no chão. — Humanos não são como nós, eles não têm poderes. São frágeis, delicados e inofensivos. Você poderia ter acabado com ele que não conseguiria reagir!
— Não sei se agradeço ou me ofendo...
— Como assim? Humanos são só sacos de pancadas? Qual é a graça de lutar com eles? — perguntou Minccino, cruzando os bracinhos.
— Nenhuma. Mas Meloetta, você demorou... Aconteceu algo?
— Mestre Stoutland, me perdoe! A vila dos humanos é muito grande e demorei para sentir algo de especial em algum deles — disse, juntando as mãos. O cachorro a encarou e se voltou para Mike.
— Espera, esse é o Mestre? — Mike segurou o riso, mas não se conteve, até lacrimejando. — Um cachorrão gordo que nunca foi ao pet shop?
— Hmmmm... Se eu fosse você, não ficaria rindo. Posso matá-lo em poucos segundos — disse, e Mike se calou na hora. — Mas é importante saber que humanos não habitam esse mundo. Você foi trazido para cá porque precisamos da sua ajuda.
— É isso que não estou entendendo. O que eu preciso fazer?
— Hm. Você é o humano Escolhido, a profecia é clara. Você decidirá o destino do nosso mundo durante o conflito entre Verdade e Ideal.
— Isso continua não me dizendo nada!
— Significa que de algum jeito você pode nos salvar! — Meloetta segurou nas mãos de Mike, sorrindo pra ele.
— Hm. Preste atenção, dentro do meu conhecimento sobre esse mundo, vou te contar um pouco da história. Existem muitos Deuses Pokemon, cada um deles cuida de uma parte de nossa realidade. O céu, o mar, a terra, o espaço, o tempo... E até as flores, como no Parque Gracidea. Nossa Anciã teve uma visão do futuro, mostrando um humano enfrentando a fúria de dois deles... Esse é o humano Escolhido, que nos salvará do perigo!
— Como posso ter sido escolhido para algo que nem sabia que existia? No meu mundo, ninguém conhece os Pokemon! Não sei nem como vocês conseguiram ir para lá... Aquele portal...
— Nem sempre precisamos responder todas as perguntas, Humano Estudante Mike. Algumas vezes só precisamos viver — responde Minccino, usando seu rabo para limpar uma Berry. Em seguida, a morde.
— Falou como um verdadeiro aprendiz meu, Minccino. — Stoutland comenta, orgulhoso.
— Hm. Eventualmente, as respostas que procura virão. Por agora, preocupe-se em se fortalecer para o futuro.
— Olha... Desculpa, mas não. — Stoutland, que já havia virado de costas, para de andar e olha de canto para Mike. — Vocês não me convenceram de nada! Pra mim, ainda estou sonhando.
— Hm. Quer ser convencido? Muito bem.
Stoutland abriu a boca e suas presas se estenderam em labaredas. Ele salta para cima de Mike, que consegue desviar, colocando a mão no coração, muito acelerado. Meloetta e Minccino pensam em interferir, mas não iriam, o Mestre sempre sabe o que faz.
— Se não quer acreditar em nosso pedido de ajuda, vá embora! — Ele volta a investir em Mike.
Recebendo uma cabeçada na barriga, Mike cai sentado, achando que seria seu fim. Mas Stoutland lacrimeja e se vira de costas, correndo para sua tenda.
— Você está bem? — Meloetta flutuou até ele, que mantinha a boca levemente aberta. Havia mordido o lábio inferior quando caiu e agora estava machucado. — Talvez tenha outro jeito de proteger esse mundo...
— Ou outro humano — sugeriu Minccino.
— Mas eu senti que esse era perfeito! Sem amigos, triste em casa, sem motivações — disse Meloetta, enquanto Mike encarava a grama. — Poderia... Ser bom pra ele, também.
— Você não está errada... — Ele se levanta, ainda sentindo dor. — Eu... Preciso de um tempo.
— Nós podemos ficar com você e...
— Não, por favor. Obrigado, Meloetta e Minccino. — Ele se afasta dos dois, que trocam olhares entristecidos.
Caminhando pela vila, Mike tenta usar seu celular, mas não tinha sinal de internet ali. Frustrado, ele o guarda, mas escuta uma voz fanhosa.
— Você acha que pode pisar nas minhas mercadorias, é?! — Mike percebeu estar pisando numa prancha de surf. Ele rapidamente tirou o pé e viu uma placa de madeira na frente de um Pokemon, dizendo que eram as pranchas do Golduck.
— Desculpe, não tinha visto!
— Tudo bem, não guardo rancor. Mas, vamos lá, com certeza você está impressionado, certo? Está pirando só de observar essa prancha, não é?
— Huh?
— Vamos lá, eu sei que você quer comprar! Está baratinha, apenas 100 Pokecoins!
— Eu não tenho essas Pokecoins e nem sei surfar... — antes que Mike pudesse continuar falando, Golduck o interrompe.
— Eu fui com a sua cara, posso fazer um outro desconto especial! 80 Pokecoins!
— Não tenho isso...
— 50 Pokecoins!
— Golduck, eu já disse que...
— Eu te dou! Pode ficar com ela! Apenas leve! — Golduck arremessa várias pranchas na direção de Mike, que corre para longe. — Não fuja!! Eu não tenho clientes faz muito tempo!! Talvez porque não tenha onde surfar por perto, mas... Hey, onde você foi, humano?
— Que maluco... Esses Pokemon são todos esquisitos! — Ele se escondeu atrás de uma pilha de frutas, percebendo que haviam outros Pokemon o olhando.
— Olá, humano! Bem vindo! Sou o Kecleon, seu vendedor preferido. — disse um Pokemon semelhante a um camaleão, com uma listra vermelha na barriga. — Me conte, do que precisa? Tenho de tudo e o que eu não tiver, eu arranjo pra você!
— Na verdade, eu não...
— Oh, um cliente difícil! Muito bem, muito bem. Eu vou sugerir algo. O que acha dessa coroa de pedra? Você vai se sentir um verdadeiro rei!
— Pruu! Eu quero ser uma rainha! — Um Pokemon pombo saltita até a loja de Kecleon, enquanto Mike se afasta, mas esbarra em um gato.
— Nyah! O-Olá, humano!
— O-Oi... E tchau!
— Espera, não vá embora! Tenho muitos produtos pra oferecer! — gritou Kecleon, levantando maçãs.
— E pranchas!! — Golduck encontrou Mike, que se sentiu encurralado. O gato que ele esbarrou segurou em sua mão e o levou numa corrida.
Os dois chegaram até a casa mais simples da vida, toda pintada de amarelo. Por dentro, poucos móveis de madeira e amontoados de palha.
— Myah, pronto, aqui não vão te incomodar. — Ele fecha a cortina da janela. — Desculpe a simplicidade, nyah! Quer beber algo?
— Na verdade, quero sim. Se tiver um cafézinho...
— Nyah? O que é cafézinho?
— Esqueça, claro que vocês não tem isso aqui... Arhhh que pesadelo! — Ele cai o rosto nas mãos, respirando fundo.
— Deve estar sendo difícil, mudar completamente de cenário e tão rápido... Fique o tempo que precisar, nyah. — Ele se aproxima de Mike, receoso de encostar nele, mas dá dois tapinhas em seu joelho. — Nyah, não tem pelos...
— Não ainda... — Ele riu, mas sentou-se na palha. — Pokemon... Vocês vivem em uma comunidade esquisita, mas parecem felizes. O cachorro gor... O Stoutland disse que o mundo de vocês corre perigo e que eu vou ajudar a salvá-lo...
— Nyah, isso é mesmo sério e parece ser pedir demais, mas você não estará sozinho aqui. Os Pokemon podem...
— Esse é o problema! Eu estou sempre sozinho, entendeu? Agora aparecem e me dizem que precisam de mim, que sou especial e sei lá o que mais! A Meloetta está certa, minha vida não tem nenhum propósito... Eu deveria encarar isso como uma segunda chance?
Sendo interrompido, Mike ouve a melodia das cordas de um violão. Ele olha para o gato, que senta-se ao seu lado, segurando o instrumento.
— Deixe a música tocar seu coração... E siga o som que ecoar.
Abaixando o boné para cobrir os olhos, Mike continua escutando a melodia, de cabeça baixa. Uma lágrima cai no amontado de palha.
De noite, Mike voltava ao Parque Gracidea, agora vazio. Ele refaz os passos que deu com Meloetta, até um portal azulado abrir-se em sua frente. Com o olhar caído, ele aproxima sua mão do fluxo, mas recua.
— Eu posso voltar... Por que eu não quero? — perguntou-se, com a mão abafando a voz. Ele ficou assim por algum tempo, até sentir algo quente e macio roçar em sua pele.
— Hm. Humano... — Era Stoutland. Mike não o olhou, continuando a focar no fluxo. — Fui duro demais com você, me desculpe. Estava desesperado por uma solução para o futuro...
— Isso não é bom? — perguntou, enxugando o rosto e sorrindo, olhando para frente. — Você tem um futuro a zelar... Para todos esses Pokemon que moram na vila.
— Eles são tudo o que tenho... Minha família. Alguns são inocentes demais, precisam da minha proteção. Só temos uns aos outros por aqui. Mas eu entendo se precisar ir embora.
— Se eu for embora, o que vai fazer? — Agora ele olhou para o cachorro, que pensou antes de responder.
— Hm. Talvez Meloetta tenha pego o humano errado e agora consiga achar o certo... Ou então vamos continuar juntos até o fim e enfrentar o que tiver que acontecer.
— Eu vou ficar. Não acho que tenha alguém lá fora preocupado comigo agora... Nem mesmo a Bianca depois do que aconteceu. Vou entender tudo com o tempo e se eu puder ajudá-los, farei o meu melhor.
— Hm... Eu não acho que Meloetta tenha trazido o humano errado.
Os dois continuam admirando o fluxo azulado diante de Mike, que se levanta. Ele aproxima sua mão e o portal desaparece, tornando-se centelhas azuis que somem no ar.
Mike: Obrigado... Mestre Stoutland!
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